Dúvidas Frenquentes sobre Epilepsia
O termo “epilepsia” (conhecida popularmente como “crise convulsiva”) refere-se a uma doença crônica caracterizada pela ocorrência de atividade elétrica exagerada e sincronizada, de um determinado grupo de neurônios no cérebro (foco epileptogênico), manifestando clinicamente com crises epilépticas (“crises convulsivas”). Os pacientes com epilepsia apresentam a tendência de repetição das crises epilépticas, principalmente quando não tratados.
Dados dos Estados Unidos mostram que aproximadamente 2 milhões de pessoas apresentam epilepsia.
Em todo o mundo, em torno de 65 milhões de pessoas apresentam essa doença. É a quarta doença neurológica mais comum nos Estados Unidos.
Podemos dividir a epilepsia em 3 grandes grupos:
- Idiopáticas (são aquelas que não existe uma causa identificada, como uma lesão no cérebro, sendo, na maioria dos casos, uma doença genética). São causadas por alterações em determinadas regiões do cérebro que tornam os neurônios e outras células cerebrais incapazes de controlar a quantidade de cálcio, potássio e sódio que entram e saem dessas células. Esse tipo de alteração leva a uma atividade elétrica exagerada que termina com as crises epilépticas. A maioria desses pacientes não apresentam alterações ao exame físico ou dificuldade intelectual. Geralmente não é possível detectar alterações na ressonância magnética de crânio.
- Sintomáticas (são aquelas associadas a uma causa subjacente, como tumor cerebral, encefalite, traumatismo intracraniano, falta de oxigênio durante o parto, neurocisticercose e esclerose mesial temporal). Nessas epilepsias, existem doenças que levam a alterações em determinadas regiões do cérebro que os tornam incapazes de controlar a atividade elétrica, culminando em crises epilépticas. A depender da etiologia, podem ocorrer alterações ao exame físico e da atividade intelectual. Essas doenças são, em sua maioria, visualizadas na ressonância magnética de crânio e em outros exames específicos.
- Criptogênicas (“escondidas”), marcadas pela dificuldade de se identificar nos exames a presença de uma alteração no cérebro (elas tendem a diminuir à medida que a tecnologia avançar na saúde, tornando-se, geralmente, sintomáticas).
O que seriam as crises epilépticas?
- As crises epilépticas são as manifestações clínicas (sinais e sintomas) resultantes da atividade elétrica anormal no cérebro. Podem ser:
- Motoras (“abalos dos braços e pernas”, “torção da cabeça para um lado”, “desvio dos olhos para cima ou para um lado” e “perda de força nas pernas” com queda ao solo);
- Sensoriais (“formigamentos em um lado do corpo”, “dormência”, “pontos brilhantes na visão”, “perda da visão”, “gosto estranho na boca” e “cheiros estranhos”);
- Autonômicas (aumento ou diminuição dos batimentos do coração, aumento ou diminuição da temperatura do corpo e do número de respirações por minuto, vômitos e suor aumentado);
- Comportamentais (“agitação”, “irritabilidade”, “mudança da personalidade” e “depressão”);
- Discognitivas (sentir-se desconectado do ambiente; dificuldade para entender o que as outras pessoas estão dizendo ou não conseguir lembrar informações e fatos passados).
O que seria a chamada “aura epiléptica”?
- Chamamos de aura epiléptica as várias sensações experimentadas pelos pacientes no início de uma crise epiléptica (“sensação estranha no abdome”, “sensação de medo súbito”, “sensação de calor ou frio no corpo”), o que corresponde à ativação de áreas específicas do cérebro, que antecedem os eventos motores característicos das crises epilépticas.
- As auras podem acontecer sem que sejam sucedidas pelos eventos motores (sem abalos dos braços/pernas) ou que haja perda da consciência (desmaios).
- A descrição da aura pelos pacientes é de suma importância para o médico entender em qual região as crises são iniciadas.
- Nem todas as crises epilépticas apresentam aura.
Como podemos classificar as crises epilépticas?
- Basicamente, podemos dividir as crises epilépticas em dois grandes grupos:
1) parciais e 2) generalizadas. As crises parciais seriam aquelas que iniciam-se em uma determinada região do cérebro e as generalizadas seriam aquelas que acometem os dois hemisférios cerebrais (de forma difusa).
- As crises parciais são subdivididas em 3 subtipos: parciais simples, complexas e parciais que evoluem para crises generalizadas.
1.1 - parciais simples: não existe alteração do nível de consciência (o paciente consegue responder normalmente aos estímulos, como um chamado de um familiar e perceber o que está acontecendo em volta). Exemplo: a crise pode cursar apenas com movimentos ou abalos do braço direito, sem outros sintomas/sinais.
1.2 - parciais complexas: as crises começam em uma região específica, como no exemplo acima (movimentos ou abalos do braço direito e acabam por afetar o nível de consciência, após a propagação da atividade elétrica no cérebro).
1.3 - parciais que evoluem para crises generalizadas: seriam crises que começaram parciais (movimentos ou abalos do braço direito, por exemplo) e que disseminaram para os dois hemisférios cerebrais de forma difusa, com perda da consciência e abalos dos braços e pernas.
* Uma crise parcial pode se manifestar apenas com aura epiléptica e a existência de aura sempre aponta que uma crise é parcial no início, o que facilita a identificação da região do cérebro afetada. - As crises generalizadas são aquelas que acometem os dois hemisférios cerebrais de forma difusa, levando a alteração da percepção do indivíduo sobre a realidade, sobre o ambiente que o cerca e sobre si próprio. Tradicionalmente são subdivididas em crises tônico-clônicas, tônicas, clônicas, mioclônicas, atônicas e crises de ausência.
2.1- tônico-clônicas: são as mais facilmente identificadas pelo público leigo, uma vez que representam o padrão mais comum. Apresenta uma fase tônica (aumento do tônus muscular ou “enrijecimento” dos músculos), com flexão do tronco para frente, depois extensão do tronco, pescoço e membros (para trás), seguida de uma fase clônica (espasmos musculares que apresentam um ritmo definido), dos braços e pernas, às vezes somados a movimentos da face.
* Durante a fase tônica pode haver apneia (parada da respiração) em decorrência do “enrijecimento” ou “endurecimento” da musculatura respiratória).
** Pode haver mordedura de língua, liberação esfincteriana (evacuação e micção nas vestimentas) e alterações autonômicas (aumento da salivação, aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial).
*** Frequentemente cursam com confusão mental após as crises, além de dores musculares generalizadas (pelo grau excessivo de contração muscular durante as crises).
2.2 - mioclônicas: são definidas pela presença de abalos musculares bruscos, rápidos, como se fossem “choques” ou “sustos”, sem um ritmo definido (o que ajuda a diferenciá-las das crises clônicas), dos 4 membros (braços e pernas), podendo acometer a face. As vezes as mioclonias podem acometer a musculatura que ajuda os indivíduos a permanecerem em pé, o que resulta frequentemente em quedas. Existe uma predominância das crises pela manhã, logo após os pacientes acordarem e estão associadas à privação de sono (podem ocorrer quando os pacientes dormem menos horas que o normal ou com um sono de ruim qualidade).
2.3 - clônicas: são marcadas por abalos rítmicos, rápidos, repetitivas e estereotipadas, afetando os 4 membros e até mesmo a face.
2.4 - tônicas/atônicas: são caracterizadas por apresentarem ou aumento do tônus muscular (“enrijecimento dos músculos”) ou diminuição do tônus muscular (com “flacidez dos músculos”), respectivamente. Nos 2 casos, quando os músculos responsáveis por manter a postura do corpo de pé são acometidos, pode haver quedas e suas consequências, como uma fratura de fêmur ou traumatismo craniano.
2.5 - crise de ausência: geralmente são crises rápidas (em torno de 10-20 segundos), caracterizadas pela súbita interrupção da atividade que o indivíduo estava fazendo (conversando/escrevendo/assistindo aula), ficando de olhos abertos (com ou sem piscamentos), como se estivessem “aéreos”, com término abrupto e retorno das atividades que foram interrompidas (voltam a conversar/escrever ou assistir aula).
**** É frequente o diagnóstico ser atrasado pelo obstáculo em se identificar as crises por parte dos familiares, sendo comum a dificuldade de aprendizagem escolar ser a queixa principal que leva à procura pelo auxílio médico, uma vez que as crises podem ocorrer várias vezes ao dia e durante as aulas, com dificuldade para aprender o conteúdo delas.
Toda crise epiléptica é crise convulsiva?
Não. Apenas aquelas crises epilépticas com manifestações motoras são chamadas de crises convulsivas.
Toda crise convulsiva é epilepsia?
Não. Epilepsia é uma doença marcada por crises epilépticas repetidas ou pela tendência da repetição das crises (podem ser interrompidas com o tratamento). Dessa forma, existem condições que podem levar a uma crise epiléptica e quando resolvidas, os pacientes não apresentam mais crises epilépticas (p. ex. uso de medicamentos, alterações no sódio corporal, cálcio corporal, infecções e traumatismo craniano).
O que são as crises febris?
Crises febris são as crises epilépticas que ocorrem frequentemente em crianças entre os 6 meses e 6 anos de idade, sendo desencadeadas pelo aumento brusco da temperatura corporal (febre). Existe uma predisposição genética, geralmente com história de familiares acometidos por essas crises na infância. O tipo mais comum de crise é a tônico-clônica generalizada, de curta duração (2-3 minutos).
Toda crise febril é epilepsia?
Não. Crises febris podem ocorrer por outros mecanismos, como uma intoxicação por medicamentos que também levem a febre. Uma vez que a causa seja resolvida, não haverá tendência à recorrência das crises epilépticas.
Existe algum tipo de crise febril que aumenta o risco de desenvolver epilepsia no futuro?
Sim. São as chamadas Crises Febris Complexas ou Complicadas, caracterizadas pela recorrência das crises ao longo de 24 horas do seu início, presença de déficits focais ao exame neurológico (fraqueza de um lado do corpo, por exemplo) ou que durem mais de 30 minutos.
Quais são as principais condições médicas que podem simular uma epilepsia?
- Síncopes ou desmaios
- Episódios de perda de fôlego (nas crianças)
- Enxaqueca
- Hipoglicemia (baixos níveis de açúcar no sangue)
- Uso excessivo de bebida alcoólica ou a interrupção súbita do uso dessas substâncias nos indivíduos que consomem rotineiramente
- Uso de drogas ilícitas (p. ex. cocaína)
- Acidente vascular cerebral (AVC)
- Distúrbios do sono (narcolepsia)
- Transtornos psiquiátricos
Quais são os desencadeantes mais comuns das crises epilépticas?
- Uso de bebidas alcoólicas
- Jejum prolongado ou deixar de realizar uma refeição costumeira
- Privação de sono (insônia, dormir poucas horas por noite, má “higiene” do sono, síndrome da apneia obstrutiva do sono). Ver distúrbios do sono em seção específica
- Variações hormonais durante o ciclo menstrual (nas mulheres)
- Estresse emocional
- Estados de fadiga (física e mental)
Quais são as doenças que podem ocorrer em conjunto com a epilepsia?
- Depressão
- Ansiedade
- Distúrbios do sono (insônia)
- Distúrbios de memória
Como se diagnostica a epilepsia?
O melhor método de se diagnosticar a epilepsia é a realização de uma boa anamnese (história clínica) aliada a um exame físico preciso.
É preciso solicitar exames complementares para o diagnóstico de epilepsia?
Sim. Se a história clínica e o exame físico apontam para a possibilidade de epilepsia, é necessário realizar exames como o Eletroencefalograma e Ressonância Magnética de Encéfalo (cérebro) e, a depender dos resultados ou suspeita clínica, proceder ao exame de Vídeo-eletroencefalografia (exame no qual é realizado um filme do paciente, de forma contínua, acoplado ao exame de eletroencefalograma, para avaliar de forma acurada o local de início das crises, locais de disseminação da atividade elétrica no cérebro e os tipos de crises), além de outros exames complementares (p. ex. Ressonância Funcional de Encéfalo, Tomografia por emissão de fóton único ou por emissão de pósitrons).
Como se trata a epilepsia?
- Existem basicamente dois tipos de tratamento: o farmacológico e o não farmacológico (não cirúrgico e cirúrgico).
- O tratamento farmacológico envolve o uso de medicamentos profiláticos (para evitar que as crises epilépticas surjam, ou para diminuir a frequência delas). Atualmente existe uma ampla gama de medicamentos disponíveis para o tratamento da epilepsia.
- O tratamento não farmacológico (não cirúrgico) utiliza-se de outros métodos que não o uso de medicamentos. Em alguns pacientes pode ser necessária a abordagem por equipe multidisciplinar (psicólogos, psiquiatras, neurologistas, nutricionistas, ginecologistas e outros especialistas em casos específicos). Um exemplo de tratamento seria a dieta cetogênica (dietas com alto teor de lipídeos ou gorduras, com baixo teor de carboidratos ou açúcares) em alguns casos selecionados de epilepsias de difícil controle.
- O tratamento não farmacológico cirúrgico é uma poderosa ferramenta terapêutica utilizada naqueles casos que são refratários ao tratamento medicamentoso (uso de no mínimo 3 medicações em doses otimizadas e adequadas). São divididos em definitivos (aqueles que possuem grande chance de diminuírem as crises ou até mesmo extingui-las) e paliativos (aqueles que visam diminuir a frequência das crises). É necessária uma avaliação completa e individualizada de cada caso (p. ex. idade do paciente, impacto da epilepsia na vida do paciente, tipo de epilepsia, local afetado, causa da epilepsia, tipo de lesão, tratamentos realizados, risco cirúrgico/risco de sequelas e expectativas acerca dos resultados do tratamento). Os procedimentos cirúrgicos mais amplamente utilizados são a amigdalo-hipocampectomia seletiva e a lobectomia temporal anterior, ambas para o tratamento da epilepsia de origem no lobo temporal.
Como o paciente pode monitorar e contribuir para o tratamento da epilepsia?
Possuir um “diário de crises epilépticas” (documento onde serão anotadas as datas das crises, as características delas, a presença de fatores desencadeantes, fase do ciclo menstrual em mulheres, presença de sintomas associados e medicações utilizadas).